terça-feira, 17 de agosto de 2010

Adeus...

Hoje parte-se-me o coração.


Hoje partiu a Pipoka.

Mas não partiu sem deixar marcas, sem passar a sua mensagem, sem antes me salvar.

Adoeceste por altura do meu tratamento. Foi mais um longo, penoso e solitário processo de FIV que não resultou em nada. Durante os meus dias de repouso, nunca abandonaste o meu quarto. Debaixo da minha cama ou deitada no meu tapete lá estavas tu! Sempre ali. Sempre presente, com o teu carinho e a tua alegria, como se percebesses o bem que a tua presença me fazia.

Durante aquele tempo, tiveste o cio. E, apesar de todos os nossos cuidados, lá houve um dia em que tu e o cachorro se pisgaram juntos para o quintal. Pouco tempo depois a tua barriguinha começou a crescer, e todos nós, incluindo o teu veterinário, pensámos o óbvio - estavas prenha, e a uns 15 dias de ter os cachorrinhos.

Claro que eu fiquei felicíssima. O milagre da vida, seja lá em que espécie for, é sempre uma bênção numa casa. E, para mim, era quase como um sinal, uma esperança renovada. Há pouco mais de um ano tínhamos tido no jardim uma ninhada de melros, e a Clarisse tinha dito que era um bom presságio. Nunca mais me esqueci daquela conversa.

Mas quanto mais a tua barriga crescia, mais tu emagrecias. Não havia ração ou Nutrigel que parecesse alterar este facto. Lá te levei de novo ao vet, e ele também achou estranho o teu quadro clínico.

Quando o ouvi dizer "- Só se não for uma prenhez, e for um tumor" foi como se me tirassem o chão debaixo dos pés. Fizeram-te um RX e o sangue gelou-me nas veias quando o vi - não tinhas nada no ventre. Só água!

Era uma ascite. A primeira vez que ouvira tal palavra havia sido no IPO, aquando da doença da minha mãe. Tentei fazer-me forte, mas as lágrimas correram-me pela cara abaixo. Não só não previ tamanha desilusão como, agora, temia pela tua vida.

Fomos de urgência para o Hospital Veterinário de São Bento. Era Sexta-feira, 2 de Julho de 2010, e tu ficaste logo internada, para fazer todos os exames necessários. Eu iria buscar-te no dia seguinte. Mas no dia seguinte não te deram alta. A tua condição era grave, e tu necessitavas de continuar internada. E assim foi. A casa, sem ti, estava demasiado silenciosa e sossegada (sim, porque tu passavas a vida a desassossegar o cachorro para a brincadeira... e ele, às vezes escondia-se de ti, lembras-te?).

Havia que estabilizar a tua condição física para que se pudesse proceder à biopsia, o que apenas foi possível a 7 de Julho. Durante aqueles dias, o meu coração apertou-se tanto, tanto... E nunca deixei de te visitar. A tua cauda abanava de alegria sempre que me vias, e ladravas de zangada sempre que eu me ia embora. Depois da cirurgia, recusaste-te a comer, e eu passei a levar-te arroz e frango. To adoraste, e recuperaste bem. Cinco dias depois, a 12 de Julho, tiveste a tua alta.

Finalmente tinha-te de volta em casa. Com ração especial e devidamente medicada, começaste por reagir bem ao tratamento, e nós respirámos de alívio. Mas este alívio durou pouco tempo. A habituação chegou no espaço de um mês, e foste novamente internada a 13 de Agosto.

Tínhamos esperança que melhorasses, mas isso não aconteceu. Na Segunda-feira seguinte o Dr. Henrique e a Dra. Sheila quiseram falar comigo. Soube logo que as notícias não eram boas. Tu tinhas de novo líquido, mas agora não era apenas no abdómen, era no tórax também. Por isso, tinhas já alguma dificuldade em respirar. Já não ladraste quando eu me vim embora. E eu soube que já não tinhas forças.

Meu Deus... Ainda na Sexta-feira antes tinhas ladrado quando te deixei lá! Como era possível?

O teu pelo começara a cair muito, e na tua pele já se viam infecções oportunistas. Nessa noite o Dr. Henrique ligou-me. Pensei o pior. Mas não, não te tinhas ido embora. Ele apenas me quis avisar de que te iria fazer uma punção torácica para que ficasses mais confortável até ao dia seguinte. Compreendi a mensagem.

Percebi que tinha chegado a altura de tomar a decisão mais humana, e ao mesmo tempo mais difícil, que estava ao meu alcance, e deixar-te partir em paz… Sem dor... Nem sofrimento...

Hoje, quando fui ter contigo, trouxeram-te embrulhadinha numa mantinha azul... Estavas fraca e cansada de lutar. Partiu-me o coração ver-te assim. Olhaste-me com o teu olhar meiguinho e eu tentei ser forte, para que apenas sentisses amor e paz. Conversei contigo, agradeci-te por tudo o que trouxeste à minha vida, pedi-te para olhares por nós quando chegasses ao outro lado, e tentei cantar para ti. Mas os meus olhos estavam inchados de tanto chorar, e tu percebeste, de certo, a tristeza que me ia no coração.

Foi a Dra Sheila que esteve connosco naquele momento doloroso, e tu adormeceste nos meus braços.

Partiste... mas não sem antes mudar a minha vida. Deixas tantas saudades... E marcas tão profundas.

“Quando alguém se cruza no nosso caminho, traz sempre uma mensagem para nós. Encontros fortuitos são coisa que não existe. Mas o modo como respondemos a esses encontros determina se estamos à altura de recebermos a mensagem.” Terei eu estado à altura? Terei eu compreendido a mensagem? Desejo com todas as minhas forças que sim, para que a tua passagem por aqui, e o teu sofrimento não tenham sido em vão.

“A Primeira Revelação acontece quando tomamos consciência das coincidências que ocorrem na nossa vida”. Mas eu não acredito em coincidências. Acredito, sim, que nada acontece por acaso. E não foi por acaso que eu te recolhi. Não foi por acaso que tu adoeceste. Terás vindo mostrar-me o caminho da felicidade? Terei eu escolhido o caminho certo?

Um dia escrevo as nossas crónicas: "We met under the most bizarre circumstances..."

2 comentários:

  1. Desculpa, não li até ao fim, não consigo. Eu sei que entendes.

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  2. :'(

    Escrever é a minha forma de exorcisar fantasmas e sentimentos...

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